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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009
Medicina
Da Rússia, sem amor
Terapia com células-tronco sem comprovação científica fez com que um garoto desenvolvesse tumores no cérebro e na medula espinhal
Pela primeira vez, um estudo científico associou o uso de células-tronco fetais ao surgimento de tumores em um ser humano. A vítima é um garoto israelense, de 17 anos, portador de uma doença neurodegenerativa rara, a ataxia-telangiectasia. De origem genética, o distúrbio compromete os movimentos, a fala e tende a evoluir para a paralisia e a morte. Em 2001, aos 9 anos, contrariando a opinião de seus médicos, o menino foi levado por seus pais a Moscou para se submeter a um tratamento sem nenhuma comprovação científica, para conter o avanço da doença: o uso de células-tronco de fetos abortados. Sem apresentar melhoras significativas em seu quadro clínico, ele voltaria ao hospital russo mais duas vezes – uma em 2002 e outra em 2004. No ano seguinte, por causa de fortes dores de cabeça, o menino foi submetido a uma ressonância magnética. Os médicos do Centro Médico Sheba, de Tel-Aviv, encontraram um tumor no cérebro e outro na medula espinhal – justamente os locais onde foram implantadas as células-tronco fetais. Em artigo publicado na última edição da revista científica PLoS Medicine, os médicos relatam que, mediante a análise dos genes dos tumores, encontraram pelo menos duas linhagens diferentes de células. Uma delas era de origem feminina e a outra não apresentava a mutação característica da ataxia-telangiectasia. Ou seja, ambas são fruto das células fetais transplantadas. "Ao que tudo indica, esse rapaz recebeu um coquetel de células-tronco de origens diversas", diz a geneticista Mayana Zatz, da Universidade de São Paulo.
Há pelo menos duas centenas de clínicas espalhadas em países como China, Rússia e Ucrânia que se utilizam de células-tronco para o tratamento das mais diferentes doenças, sem nenhum aval da ciência. Algumas vendem até o fim das rugas e da celulite. As células-tronco são aquelas capazes de se transformar em praticamente quaisquer tecidos do corpo humano. As mais versáteis são as embrionárias e as fetais. É delas que esses médicos se valem para vender falsas esperanças a pacientes vítimas de males crônicos e incuráveis. O problema é que até hoje nenhum protocolo sério de pesquisa atestou a segurança dessas terapias em seres humanos. Isso porque tais células se multiplicam de maneira rápida e desordenada, o que pode acarretar o surgimento de tumores, como no caso do garoto israelense. As únicas experiências clínicas válidas foram feitas com células-tronco adultas, retiradas da medula do próprio paciente – o que evita o risco de rejeição e outras complicações. "Os doentes têm, sim, muito a perder com as terapias que não são fruto de pesquisas científicas sérias", diz a geneticista Lygia da Veiga Pereira. As primeiras pesquisas com células-tronco embrionárias em seres humanos, sob estrito controle científico, devem ter início ainda neste ano – nos Estados Unidos e na Inglaterra.
De alto risco e sem o aval da ciência
• Cerca de 200 clínicas e hospitais oferecem tratamentos à base de células-tronco embrionárias e fetais
• Os mais procurados ficam na Rússia, China e Ucrânia
• A maioria dos pacientes é portadora de doenças neurológicas, distúrbios cardiovasculares e doenças genéticas
• 40% desses centros oferecem também tratamentos estéticos, especialmente contra rugas e celulite
Fonte (do quadro acima): revista Cell Stem Cell, dezembro de 2008.
Fonte do Artigo: VEJA; Edição 2101; 25 de fevereiro de 2009.
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