Há três décadas a terapia celular tem sido uma fonte sucessiva de entusiasmo e decepção para os pacientes com mal de Parkinson, doença caracterizada pela morte progressiva dos neurônios responsáveis pela produção de uma importante substância química, o neurotransmissor dopamina.
Nos anos 1980 uma abordagem polêmica contra a doença, que inicialmente parecia promissora, foi testada em animais e até em seres humanos em países como Suécia, Estados Unidos e México: a realização de transplantes com células extraídas da glândula adrenal ou do tecido cerebral imaturo de fetos abortados. A lógica dessas cirurgias, discutíveis inclusive do ponto de vista ético, era dotar a estrutura cerebral conhecida como substância negra – lesada nos pacientes pela perda progressiva dos neurônios dopaminérgicos – com uma nova população de células capazes de fabricar o neurotransmissor.
Dessa forma, os principais sintomas do Parkinson, como tremores, rigidez muscular, lentidão de movimentos e dificuldade para falar e escrever, poderiam ser eliminados. Os resultados da abordagem foram decepcionantes. Nos casos em que houve melhora, o bem-estar dos pacientes foi passageiro. Em outros, nem isso ocorreu e a tentativa de tratamento até piorou a doença, levando à morte alguns indivíduos.
Um grupo de biólogos e neurocientistas paulistas pode ter descoberto um dos motivos por trás do fracasso das antigas terapias celulares contra o Parkinson e talvez compreendido por que as versões mais modernas e refinadas desse tipo de tratamento experimental, hoje baseadas no emprego das chamadas células-tronco, continuam a dar resultados inconsistentes.
Os transplantes que têm sido testados nos estudos pré-clínicos, em animais de laboratório, podem conter uma quantidade significativa de fibroblastos, um tipo de célula da pele extremamente parecido com algumas células-tronco, mas que tem propriedades totalmente diferentes.
Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) publicaram no dia 19 de abril passado um estudo na versão on-line da revista científica Stem Cell Reviews and Reports mostrando que, em ratos com Parkinson induzido, a presença de fibroblastos humanos anula os possíveis efeitos positivos de um implante de células-tronco mesenquimais, obtidas do tecido do cordão umbilical de recém-nascidos.
“Quando administramos apenas as células-tronco, os ratos melhoraram dos sintomas da doença”, diz a geneticista Mayana Zatz, uma das autoras do artigo, que coordena o Centro de Estudos do Genoma Humano da USP, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) mantidos pela FAPESP, e o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Celulas-Tronco em Doenças Genéticas Humanas. “Mas, quando injetamos também os fibroblastos, os efeitos benéficos desapareceram e houve até uma piora.
É possível que muitos resultados ruins em trabalhos científicos com terapias celulares se devam a esse tipo de contaminação.” De acordo com os pesquisadores, o trabalho é o primeiro a mostrar, no mesmo modelo animal, tanto os efeitos positivos do emprego de células-tronco mesenquimais contra o Parkinson como os malefícios da contaminação por fibroblastos.
Além de representar um avanço no conhecimento básico sobre os eventuais benefícios das terapias celulares num órgão tão complexo e delicado como o cérebro, o resultado do trabalho serve de alerta para os familiares de pessoas com Parkinson. Não há, em nenhum país do mundo, tratamento oficialmente aprovado à base de células-tronco para combater essa ou outras doenças neurodegenerativas.
“É preciso olhar com cuidado as pesquisas com células-tronco e não fazer falsas promessas de cura”, afirma outro autor do artigo, o neurocientista Esper Cavalheiro, da Unifesp, que encabeça os trabalhos do Instituto Nacional de Neurociência Translacional, um projeto conjunto da FAPESP e do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).
“Antes de propormos terapias, precisamos entender todo o mecanismo de diferenciação das células-tronco nos diversos tecidos do organismo e compreender como o cérebro faz para ‘conversar’ e direcionar a atuação dessas células.” Até hoje as únicas doenças que contam com um tratamento à base de células-tronco são as do sangue, em especial os cânceres (leucemias). Contra esse tipo de problema, os médicos lançam mão, há décadas, do transplante de medula óssea, rica em célula-tronco hematopoéticas, precursoras do sangue.
Ainda sem cura, o Parkinson atualmente é controlado com o auxílio de medicamentos, como a levodopa, que podem ser convertidos pelo cérebro em dopamina. Em casos mais graves há ainda uma segunda alternativa: implantar eletrodos no cérebro de pacientes que não respondem bem ao tratamento ou apresentam muitos efeitos colaterais em decorrência do uso dos remédios.
[continua...]