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quarta-feira, 25 de agosto de 2010
EXCESSO DE VITAMINAS
FUNÇÃO DAS VITAMINAS
ENTREVISTA DO DR. DRAUZIO VARELLA COM O DR. ALBERTO DE MACEDO SOARES, MÉDICO GERIATRA, PRESIDENTE DA SEÇÃO DE SÃO PAULO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE GERIATRIA.
Drauzio – Qual é a função das vitaminas, ou micronutrientes, no organismo?
Alberto de Macedo Soares – As vitaminas desempenham papel fundamental na constituição, elaboração e resposta das células que constituem nosso organismo, principalmente no que diz respeito às enzimas, substâncias que adiantam ou retardam uma reação orgânica. Organismo sem vitamina é organismo falido, não funciona de forma adequada. Por isso, as vitaminas presentes nos alimentos naturais são fundamentais para a sobrevivência humana.
Drauzio – Todos os alimentos naturais contêm vitaminas?
Alberto de Macedo Soares – Nem todos, mas as frutas e as verduras são os que mais contêm vitaminas em sua composição.
Drauzio – Uma dieta variada que inclua duas ou três porções de verdura e duas ou três porções de frutas por dia fornece a quantidade de vitaminas de que a pessoa necessita?
Alberto de Macedso Soares – Sem dúvida nenhuma. A grande maioria das pessoas com ingesta diária de frutas e verduras não precisa acrescentar nenhum tipo de vitaminas vendido nas farmácias.
Drauzio – Como os geriatras vêem a ingestão excessiva de vitaminas?
Alberto de Macedo Soares – A Sociedade Brasileira de Geriatria vê com preocupação não só as correntes ortomoleculares que propagam o uso de vitaminas e de antioxidantes em larga escala, mas também vê com preocupação as academias e outras sociedades ditas de “antienvelhecimento” (aliás, eu queria entender o que significa antienvelhecimento, pois, na minha concepção como geriatra, o único jeito de não envelhecer, é morrer precocemente), e tem pedido respaldo dos conselhos regionais e a punição devida, uma vez que o Conselho Federal de Medicina, no artigo 13, coloca como proibido o uso indiscriminado de megadoses de vitaminas. Entretanto, apesar do empenho, todos os dias recebemos pacientes que dizem: “Doutor, o meu café da manhã são oito comprimidos de vitaminas”, sem saber que com isso estão se expondo a riscos absolutamente desnecessários.
VITAMINA C
Drauzio – Linus Pauling afirmava categoricamente que as pessoas deveriam tomar megadoses de vitamina C, dez gramas por dia pelo menos. Como recebeu dois prêmios Nobel (um de Bioquímica, porque fez um trabalho muito importante nessa área, e um prêmio Nobel da Paz) e era um grande cientista, sua recomendação tinha força especial. Na verdade, porém, Linus Pauling não era médico, nunca tinha estado com um doente em sua frente. Mesmo assim, os laboratórios multinacionais que produzem vitamina C fazem propaganda sugestiva afirmando que essa vitamina melhora a resistência física e ajuda a curar gripes e resfriados. Há fundamento científico para o uso de megadoses de vitamina C?
Albertode Macedo Soares – Nossa necessidade diária de vitamina C é um e meio miligrama, uma porção infinitamente menor do que os dez gramas que indicava Linus Pauling para a prevenção do câncer. É público que, quando inquirido sobre o tumor de próstata que desenvolveu, mesmo tomando altas doses dessa vitamina, sua resposta foi que graças a ela tinha conseguido postergar o início da doença.
Atualmente, a medicina está baseada em evidências que surgem como resultado de megaestudos que envolvem milhares de pacientes. Não dá mais para considerar relatos de casos isolados, nem o “eu acho”, “tenho dois pacientes que melhoraram”, nem a experiência do vizinho.
Drauzio – Existem evidências de que a vitamina C deva ser usada nas gripes e resfriados, doenças muito prevalentes e responsáveis, provavelmente, pelo maior consumo dessa vitamina?
Alberto de Macedo Soares – Não há. Aliás, um jargão difundido no tempo de nossos avós era: “gripe, vitamina C e cama”. Hoje, o geriatra não prescreve vitamina C e muito menos cama nos casos de gripe e resfriado. Vitamina C, porque as evidências são muito controversas nos pacientes imunocomprometidos, e colocá-los de cama pode representar fator predisponente para a pneumonia.
Em suma, a conclusão das sociedades de geriatria é que, na imensa maioria dos casos, não há a menor evidência de que a vitamina C deva ser indicada, apesar de ter demonstrado ação antioxidante nos tubos de ensaio, uma vez que essa resposta não ocorre nos seres humanos.
Drauzio – Você mencionou que o excesso de vitamina C pode provocar cálculos renais.
Alberto de Macedo Soares – Não só cálculos renais, mas distúrbios gastrintestinais e incômodo na bexiga porque acidifica a urina e isso provoca irritação.
VITAMINA E
Drauzio – Quais as consequências do uso excessivo da vitamina E?
Alberto de Macedo Soares – O que vemos, na prática da clínica, é que a vitamina E pode causar alterações na coagulação, distúrbios gastrintestinais, dor de cabeça crônica. Recentemente, dois estudos grandes mostraram que a vitamina E, largamente utilizada como coadjuvante no tratamento do mal de Parkinson e, em associação com outros medicamentos, nos portadores de Alzheimer como incrementadora da memória, não apresenta os efeitos apregoados e não deve mais ser prescrita para esses pacientes.
INDICAÇÕES CORRETAS
Drauzio – Há situações em que as vitaminas devam ser indicadas?
Alberto de Macedo Soares – Existem algumas situações em que elas devem ser indicadas. É o caso da carência da vitamina B12, que pode provocar déficit de memória. Por exemplo: às vezes, depois de uma cirurgia de estômago ou de uma dieta alimentar inadequada, a pessoa começa a dar sinais de esquecimento e a família interpreta o fato como início da doença de Alzheimer. Essa é uma situação em que o paciente precisa ser avaliado para verificar se não está com deficiência de vitamina B12 no organismo, o que é feito por meio de uma simples coleta de sangue. Se estiver, é indicada a reposição dessa vitamina, na forma de injeções para facilitar absorção, durante algum tempo.
Outro exemplo é o da indicação de vitamina D para os portadores de osteoporose. Sabemos que a associação de vitamina D e cálcio altera a densidade dos ossos, pois ajuda a fabricar tecido ósseo
USO NA ADOLESCÊNCIA E NA VELHICE
Drauzio – Acho que em dois momentos da vida se concentra mais o conceito da necessidade das vitaminas. Um é a adolescência, fase de crescimento em que as mães temem que os filhos não consigam obter a quantidade suficiente de micronutrientes com a alimentação. A outra é a velhice. Nessas fases, o uso de vitaminas deve ser indicado?
Alberto de Macedo Soares – Não é alvo da sociedade de geriatria verificar o uso de vitaminas na adolescência, mas a prática nos mostra que, muitas vezes, nessa idade, a suplementação não é contínua. Além disso, em geral, o adolescente não precisa tomar vitaminas porque conta com um fator de proteção muito maior que é a atividade física. Ele é obrigado a fazer exercícios na escola e frequenta academias.
O que vemos com preocupação, porém, - e aproveito a oportunidade para deixar um alerta - é que, nas academias, os adolescentes estão fazendo uso absolutamente equivocado de megadoses de vitaminas, de diuréticos e de hormônios em doses elevadas e acabam tornando-se hipertensos aos 18, 20 anos de idade.
No que se refere aos idosos, na há coisa pior para o geriatra do que atender uma pessoa com estado geral comprometido e necessitando de um tratamento específico porque é portadora de uma doença, que está tomando vitaminas em doses altas prescritas durante uma consulta num serviço de saúde. Em tais casos, há dois aspectos prejudiciais a considerar. Número um: além de não se beneficiar em nada com as doses altas de vitamina, o idoso está se expondo a vários outros riscos. Número dois: a doença de que é portador deixa de ser tratada como deveria.
Drauzio – Parece que sempre falta selênio.
Alberto de Macedo Soares – Embora selênio seja um dos oligoelementos muito estudados na prevenção do infarto, um grande estudo mostrou que seu uso não traz benefícios.
Brecar o envelhecimento é uma proposta sedutora, mas inviável e inacessível. Cabe-nos procurar envelhecer com qualidade de vida, com saúde, sem buscar medidas discutíveis e não comprovadas para retardar um processo absolutamente natural do organismo.
TRATAMENTOS MILAGROSOS
Drauzio – Qual é a sua posição a respeito de três tratamentos que dizem retardar o envelhecimento: as vitaminas, geralmente importadas e caríssimas que são aplicadas por via endovenosa, o ginkgo biloba e a procaína?
Alberto de Macedo Soares – São três tratamentos que as sociedades de geriatria não respaldam.
1) Vamos começar pela infusão endovenosa de vitaminas. Na grande maioria das vezes, elas são administradas sem a menor necessidade. Raríssimas são as exceções em que a pessoa pode precisar de um suplemento vitamínico, mas ele deve ser prescrito para prevenir o envelhecimento. E tem mais: além de caríssimas, essas vitaminas costumam ser associadas a medicamentos que o Conselho Regional de Medicina proibiu a utilização.
2) O extrato de ginkgo biloba era indicado com a função de melhorar a memória.
Infelizmente, está provado que não possui esse efeito, mas funciona para controlar o zumbido crônico no ouvido, em certos casos. Assim como a osteoartrose pode acometer algumas áreas do corpo, alterações podem ocorrer nos ossículos do ouvido médio e produzir um som bastante desagradável.
Embora parcela importante dos pacientes se beneficiem com esse medicamento, ele não serve para todos os casos de zumbido e seu uso requer acompanhamento médico. Por quê? Porque nenhum remédio é inócuo e a gingko biloba pode exercer uma ação potencializadora e provocar sangramentos, principalmente, nos pacientes que tomam antiadesivos plaquetários, aspirina por exemplo. Se a pessoa tomar anticoagulantes, então, pode ter sangramento mais intenso, uma hemorragia.
3) O uso de procaína é o mais condenado pela Sociedade de Geriatria. Quando me perguntam qual a situação em que ela deve ser indicada para um paciente, respondo: nenhuma. E não sou só eu. O Food and Drug Administration (FDA), um dos órgãos mais sérios no controle dos medicamentos, até hoje não autorizou nem liberou o uso de procaína, um anestésico que era utilizado pelos dentistas. Atualmente, nem isso. Eles encontraram coisa melhor.
No entanto, como a procaína tem discreta ação inibidora de uma enzima chamada monoamidoxidase, provoca certa sensação de euforia. A mídia volta e meia mostra relatos de pessoas que fizeram uso dessa droga e afirmam ter sentido a vida mudar. Sem contar o efeito placebo, uma vez que 30% dos portadores de uma doença melhoram tomando um comprimido de água e farinha, há pessoas que se dispõem a gastar US$4.000 a cada seis meses para fazer uso de uma substância de eficácia absolutamente não comprovada.
Pior ainda: a procaína tem sido descrita como medicamento que pode levar a distúrbios gastrintestinais, psiquiátricos, à confusão mental e até à convulsão. Por isso, não é indicada no Hospital das Clínicas, na Escola Paulista de Medicina, na Santa Casa de São Paulo, na Faculdade de Medicina de Santos, instituições que servem de centro de referência porque congregam profissionais que lutam para manter-se atualizados.
Fonte: Site Dr. Drauzio Varella.
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