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segunda-feira, 11 de julho de 2011

A FRAQUEZA DAS CÉLULAS-TRONCO [2/3]



Ligado a um pequeno gerador implantado debaixo da pele, os eletrodos tentam melhorar a comunicação entre os neurônios. A delicada cirurgia para a colocação dos eletrodos é conhecida como estimulação profunda do cérebro (deep brain stimulation, ou simplesmente DBS). Com exceção dessas duas abordagens, todos os demais procedimentos contra a doença ainda se encontram no estágio de testes, sem aprovação dos órgãos médicos.

Mensageira química produzida por menos de 0,3% das células nervosas, a dopamina pertence a uma classe de substância denominada neurotransmissores, cuja função básica é levar adiante a informação, na forma de sinais elétricos, de um neurônio a outro.

Esse processo de comunicação entre neurônios é conhecido como sinapse. A dopamina atua especificamente em centros cerebrais ligados às sensações de prazer e dor, tendo papel comprovado nos mecanismos que geram dependência e vícios e também no controle dos movimentos. Nos casos de Parkinson, a questão motora se mostra claramente afetada devido à falta do neurotransmissor.

É muito fácil misturar os fibroblastos com as células-tronco mesenquimais – e essa confusão pode ser a origem dos resultados inconclusivos e contraditórios de muitas tentativas de se tratar Parkinson com terapias celulares. Ambos os tipos de células têm a mesma origem. Derivam do mesênquima, o tecido conjuntivo primordial, presente no embrião, a partir do qual se formarão vários tipos de células.

Apesar da origem comum, os fibroblastos e as células-tronco mesenquimais apresentam propriedades distintas. Responsáveis pela síntese do colágeno, os fibroblastos formam a base do tecido conjuntivo num indivíduo adulto. São, portanto, células especializadas e diferenciadas. Já as células-tronco mesenquimais ainda são bastante indiferenciadas e têm a capacidade de gerar muitos tipos de tecidos, como ossos, cartilagem, gordura, células de suporte para a formação do sangue e também tecido fibroso conectivo.

“É quase impossível distinguir esses dois tipos de células se simplesmente as examinamos num microscópio”, comenta o bioquímico Oswaldo Keith Okamoto, do Centro de Estudos do Genoma Humano, coordenador do artigo publicado na Stem Cell Reviews and Reports. “Elas crescem in vitro nas mesmas condições e só conseguimos distingui-las com o auxílio de marcadores e ensaios específicos.”

As células-tronco mesenquimais apresentam ainda uma importante particularidade. Têm propriedades imunossupressoras e podem reduzir a necessidade de tomar remédios para diminuir a rejeição a órgãos e tecidos transplantados.

Não há evidências sólidas de que as células-tronco mesenquimais tenham a capacidade de gerar os neurônios que estão em falta ou são pouco funcionais nos pacientes com Parkinson. Elas parecem melhorar o ambiente em que ocorrem as lesões associadas às doenças, diminuir a inflamação local e favorecer a preservação de mais células nervosas.

“Seus efeitos poderiam ser indiretos, ao diminuir a inflamação no cérebro”, diz Okamoto. Foi isso o que os pesquisadores paulistas verificaram no experimento com ratos. Eles injetaram as células-tronco no cérebro de um grupo de 10 roedores doentes com Parkinson induzido e, um mês depois, viram que eles não apresentavam sintomas da doença. Estavam tão saudáveis quanto os animais do grupo de controle que não tinham Parkinson. Esse resultado bate com conclusões de outros estudos semelhantes realizados aqui e no exterior.

A grande novidade ocorreu na segunda parte do experimento. Os cientistas inseriram uma cultura de fibroblastos num outro grupo de 10 ratos, também com Parkinson. O resultado foi desastroso. Um mês depois do procedimento os animais passaram a exibir mais problemas motores e o número de neurônios dopaminérgicos na substância negra se reduziu à metade.

A uma terceira leva de roedores doentes foi administrada uma mistura, em partes iguais, dos dois tipos de células. Nesse grupo não se verificou melhora alguma. É como se os fibroblastos tivessem anulado os aparentes efeitos benéficos das células-tronco. “Eles parecem ser neurotóxicos”, afirma Mayana.

Na Índia, um grupo de médicos e cientistas do BGS-Global Hospital, de Bangalore, está testando o uso de células-tronco mesenquimais em sete pacientes humanos com Parkinson com idade entre 22 e 62 anos. Obtidas da medula óssea dos próprios doentes, as células foram injetadas nos cérebros lesados de acordo com um protocolo local criado pelos indianos.

Num artigo publicado em fevereiro do ano passado na revista Translational Research, os pesquisadores relataram diminuição dos sintomas da doença em três dos sete pacientes e disseram que a abordagem parece segura. Os resultados, no entanto, ainda são preliminares e devem ser vistos com reservas. “Talvez os transplantes de células-tronco mesenquimais não se tornem um tratamento definitivo para o Parkinson, mas complementar, como uma neuroproteção”, pondera Okamoto.

“Esse tipo de estudo pode nos auxiliar a entender como minorar o ambiente degenerativo no cérebro e, quem sabe, criar novos fármacos contra a doença.”

Genes, ambiente e mistério - Apesar de existirem casos de indivíduos jovens com Parkinson, como o famoso ator canadense Michael J. Fox, que, aos 30 anos, recebeu a notícia do diagnóstico da doença, essa desordem neurológica aparece com mais frequência em pessoas com mais de cinco ou seis décadas de vida.

"Pacientes com menos de 50 anos são considerados precoces e representam uns 20% do total”, diz o neurologista Luiz Augusto Franco de Andrade, do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein, de São Paulo. “Mas já tratei de um menino de 13 anos com Parkinson.”

Há evidências crescentes de que fatores ambientais e genéticos podem estar implicados no aparecimento da doença, ao menos em alguns casos. Um estudo de pesquisadores da Escola Médica de Harvard, publicado em outubro do ano passado na revista Science Translational Medicine, mostrou que centenas de genes ligados ao funcionamento das mitocôndrias, organelas que são a usina de energia do organismo, estão menos ativos em pacientes com Parkinson.

 Até mesmo pessoas que se encontram num estágio inicial ou até pré-Parkinson parecem apresentar essas alterações. Se essa conexão entre as mitocôndrias e a doença se confirmar, drogas que atuem sobre esses genes podem se tornar úteis no tratamento do problema.

Dobro de doentes em 2030 - Numa linha semelhante de investigação, um estudo divulgado em setembro de 2010 pelos National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos, sugeriu que indivíduos com uma determinada versão do gene GRIN2A poderiam se beneficiar mais do consumo de café e chá. Em pessoas com esse perfil genético a ingestão de bebidas com cafeína atuaria como um fator de proteção ao  Parkinson. A busca por substâncias que auxiliam na manutenção dos neurônios é uma estratégia adotada por muitos grupos de pesquisa. A administração da proteína GDNF,  que atua nesse sentido, é alvo de testes  há anos para checar sua possível ação contra a doença.

A despeito de avanços localizados na compreensão de possíveis mecanismos implicados em sua gênese, o Parkinson ainda mantém o status geral de doença neurodegenerativa de causa misteriosa e inexplicada. Ninguém sabe ao certo por que os neurônios produtores de dopamina começam a morrer ou param de funcionar direito num ponto da vida de certas pessoas. De concreto há um dado palpável da realidade atual: o envelhecimento de uma população é um grande fator de risco para o Parkinson. Essa questão é particularmente preocupante nas nações em desenvolvimento que estão mudando rapidamente a estrutura etária antes de se tornarem ricas.

Ainda visto como uma nação de jovens, o Brasil alterará drasticamente seu perfil demográfico nas próximas décadas. Um relatório do Banco Mundial divulgado no mês passado destaca que sua parcela de habitantes com 65 anos ou mais subirá dos atuais 11% para 49% em 2050. Num período de 40 anos o número de idosos triplicará. Saltará de menos de 20 milhões para cerca de 65 milhões. “A velocidade do envelhecimento populacional no Brasil será significativamente maior do que ocorreu nas sociedades mais desenvolvidas no século passado”, dizem os responsáveis pelo relatório Envelhecendo num Brasil bem mais velho.  Na França,  foi necessário mais de um século para sua população com idade igual ou superior a 65 anos aumentar de 7% para 14% do total.  “Nos últimos anos a gerontologia moderna enfatizou mais os ganhos do que as perdas físicas e mentais do processo de envelhecimento”, afirma a antropóloga Guita Grin Debert, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que estuda questões ligadas às mulheres e à velhice. “Temos especialistas em doenças, mas não muitos no processo de envelhecimento.”

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