Tive a inaudita alegria de ter o episódio que narrei no artigo “Credulidade e Ceticismo – os dois lados da mesma moeda” comparado ao primeiro capítulo do célebre livro “O Mundo Assombrado pelos Demônios” do não menos célebre Carl Sagan.
Confesso que fiquei deveras lisonjeado.
De fato existem alguns pontos em comuns em ambos os episódios, respeitando as devidas proporções – é claro!
Sagan narra no capítulo “A Coisa Mais Preciosa” seu encontro com o Sr. Buckley, o motorista que o levaria do aeroporto para uma conferência com cientistas e profissionais da televisão.
Nesse longo trajeto do aeroporto até o local da conferência o motorista bastante empolgado entabula uma conversa entusiasmada com o célebre cientista sobre extraterrestres, canalização, profecias de Nostradamus, astrologia, sudário de Turim, Atlântida, Lemúria e assim por diante.
Sagan narra que teve a delicada tarefa de contrapor o que a ciência tinha a dizer sobre cada um desses portentosos temas.
Em suas próprias palavras, reafirma no livro:
“— Eu tive de desapontá-lo todas as vezes”.
“Enquanto rodávamos pela chuva podia vê-lo tornar-se cada vez mais soturno. Eu não estava apenas negando alguma doutrina falsa, mas uma faceta preciosa de sua vida interior”.
No entanto Sagan foi muito mais feliz nesse seu encontro com o Sr. Buckley – no fundo, um admirador da ciência, como o narrado na página 19:
“O Sr. Buckley — bom papo, inteligente, curioso — não tinha ouvido virtualmente nada sobre a ciência moderna. Ele tinha um apetite natural pelas maravilhas do Universo. Queria conhecer a ciência”.
Quando reli esse capítulo tive a nítida impressão que meu caminho é muito mais árido.
Como no caso de meu vizinho de poltrona que além de confundir ciência com pseudociência e misticismo, negava a primeira com todas as suas forças.
Negava a ciência veementemente. E o que era pior – não manifestava a mínima vontade de conhecê-la.
Novum Organum
Novamente recordo Francis Bacon e seu Novum Organum; tratado que esboçou os primeiros pilares para a edificação da nossa metodologia científica, que mesmo escrito em 1620 nunca perdeu sua atualidade.
Permitam repeti-lo aqui numa tradução livre de minha autoria:
A compreensão humana não é livre de interesses; recebe influxos da vontade e dos afetos de tal forma que um homem acredita mais facilmente naquilo que ele gostaria que fosse verdade, ao mesmo tempo, que ele rejeita rapidamente:
- As coisas difíceis a seu entendimento por pura preguiça de pesquisar;
- As coisas sensatas por abaterem sua esperança;
- As coisas fundamentais da natureza por pura superstição;
- A clareza da experiência alheia (que muitas vezes é por ele negligenciada) devido ao seu orgulho e arrogância.
Como já afirmei outras vezes, infelizmente esse tipo de encontro não é raro. O número de pessoas que por vaidade ou arrogância nega a ciência é incrível.
Primeiro por não querer confessar sua ignorância — como se fosse uma vergonha não saber.
É preciso deixar claro que é impossível para qualquer ser humano — por mais genial que ele seja — o domínio completo de qualquer área do conhecimento.
É impossível!
Assim não existe vergonha nenhuma em não saber.
E se ilude aquele que se arroga de tal prerrogativa.
Talvez seja vergonhoso o fato de não querer saber e mesmo assim criticar.
Criticar assentado apenas no achismo, em ideias mal acabadas e repetidas ad nauseam, sem nenhum exame crítico, sem nenhum questionamento, sem nenhuma gota de critério ou bom senso.
Fonte : Kit de sobrevivência para a selva da informação
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