Visualizações de página do mês passado

sábado, 1 de setembro de 2012

PARKINSON TRATADO COM SERIEDADE

Hoje me deparei com um blog na internet, e nem vou citá-lo porque não vale a pena. Tratava o parkinson com superficialidade, de modo assombroso, como se todo portador de DP fosse inválido, incapaz ou demente, dependente, como se a vida de um parkinsoniano fosse degradante e não valesse à pena.

O texto tão descuidado causou-me tamanha indignação, que resultou no meu desejo de esclarecer alguns pontos que tenho conhecimento pela minha vivência com esta doença.

Sou portadora de parkinson desde meus 38 anos, hoje tenho quase 52.  Muito mais comum e frequente do que se pensa, a DP não acomete somente pessoas idosas. Até o momento não há exames laboratoriais que possam detectar o problema. O diagnóstico é clínico e depende muito da competência, habilidade e conhecimento do profissional que faz o atendimento. Infelizmento o que percebo é que muitos médicos estão completamente despreparados para fazer um atendimento eficiente e adequado.

Outro engano que ocorre é se pensar que o tremor é o sinal mais evidente da DP. É preciso esclarecer que há muitos sintomas relacionados com a DP e nem todo portador apresenta tremores. Cada paciente é único e deve ser tratado como tal, de modo individual, pois sabemos que a medicação não é a mesma para todos nem mesmo a dosagem. Certos medicamentos fazem bem para uns e mal para outros. Há dificuldades que alguns pacientes apresentam que outros não sentem.

Entre os sintomas descritos estão tremores, lentidão na execução de movimentos, rigidez muscular, problemas de fala e deglutição, dificuldades posturais e caminhar arrastado, distúrbio de equilíbrio, perda de memória, alucinações e demência.

Além das manifestações motoras, os pacientes com DP podem apresentar complicações não-motoras, sendo essas evidentes nas fases mais avançadas da doença.
·    hipotensão ortostática;
·    distúrbios gastrointestinais (obstipação intestinal, disfagia, salivação excessiva);
·    distúrbios respiratórios;
·    distúrbios sexuais;
·    distúrbios sensitivos e dor (tipo "queimação", dormência e dores profundas);
·   distúrbios do sono (presença de distúrbio do sono REM, da síndrome da apneia do sono, síndrome das pernas inquietas e do aumento de despertadores noturnos).

Há uma escala (Hoehn e Yahr), desenvolvida na década de 60, classifica a DP em 5 estágios conforme o nível de gravidade.
·   Estágio I: manifestações unilaterais da DP, incluindo as principais características: tremor, rigidez e bradicinesia.  Sintomas leves e incovenientes mas não desabilitantes. Mudanças na postura, locomoção e expressão facial.
·    Estágio II: manifestações bilaterais acima mencionadas, possíveis anormalidades da fala, postura fletida e marcha anormal. Comprometimento da postura e marcha.
·     Estágio III: agravamento bilateral das manifestações da DP, somadas aos distúrbios de equilíbrio. Disfunção do equilíbrio de marcha ou em ortostatismo. Disfunção generalizada moderadamente grave.
·   Estágio IV: agravamento dos estágios anteriores; neste estágio os pacientes são incapazes de viverem de forma independente. Incapacidade de andar por uma distância mais longa.
·   Estágio V: Invalidez completa, incapacidade de ficar em pé ou andar. Requer constantes cuidados de enfermagem. Pacientes necessitam do auxílio de cadeira de rodas, ou estão confinados ao leito.

Conheço casos de pessoas que  vivem há mais de 10 anos com a DP que apresentam sintomas limitantes, contudo não incapacitantes.

Tive a honra de conhecer um sr., Victor, que faleceu aos 94 anos de idade, parkinsoniano desde os 60 anos e mantinha uma vida ativa e saudável. Praticava caminhadas pelas manhãs, (acompanhado de um cuidador) voltava para casa, tomava banho, vestia terno e gravata e saia para trabalhar. Ele dava palestras motivacionais em empresas, consultoria sobre administração, marketing e vendas. Tinha um cuidador que era também seu motorista, devido não apenas ao parkinson mas também pela idade avançada. Foi ele meu principal motivador, e mostrou que há vida possível e saudável, com qualidade, mas não sem o total comprometimento do paciente.

Comprometimento e disciplina com a dieta adequada, que muitas vezes nos priva de algo que gostamos muito, mas com o tempo descobrimos o quanto nosso empenho vale à pena. Comprometimento com a fisioterapia, atividades físicas diárias, porque a preguiça fica proibida. Comprometimento com o horário e doses corretas dos medicamentos prescritos. Comprometimento com o tratamento acompanhado por um profissional competente, sem fazer uso de auto-medicação. Comprometimento com a seriedade que são os exercícios de fonoaudiologia.

Um conselho precioso que recebi deste amável sr. foi nunca usar medicamentos, suplementos alimentares, ou fazer atividades físicas sem controle e orientação de um médico ou profissional competente e não interromper o tratamento, dando sempre continuidade às atividades físicas, exercícios de fonoaudiologia, além de manter a mente sempre ocupada. Ele dizia, com bom humor, que parkinsoniano não tem direito ao ócio. Ele descansava fazendo cruzadas, treinava sua fala declamando poesia em voz alta em frente ao espelho, comia frutas e verduras diariamente, não fumava, e álcool ele somente se permitia um pequeno cálice de porto após o almoço.

Outro conselho importante que recebi foi não esperar que um sintoma se instale para cuidar dele. O sr. Victor era palestrante, orador, conviveu com a DP por mais de 30 anos e apresentava boa dicção, e não apresentava problemas de deglutição ou salivação. Ele fazia exercícios de fono com frequência e por uma boa época fez aulas de canto.

Aprendi com ele a manter os exercícios de fonoaudiologia com constância (mesmo não apresentando nenhum problema de fala ou disfagia), atividade física com alongamentos, dieta equilibrada com ingestão de pelo menos 2 litros de água por dia, e os cuidados necessários de higiene corporal (sem banhos demasiadamente quentes e uso de hidratante para o corpo), higiene bucal (escovação com escova elétrica, fio dental e enxaguante sem álcool), manter a mente ativa (com leitura, cruzadas, sudoko), mantenho o bom humor ouvindo boa música durante o dia, e procuro deitar a noite para dormir sempre no mesmo horário. A disciplina e a prática de hábitos saudáveis faz bem a todos, não só para portadores de parkinson.

É preciso esclarecer que nem todo portador de parkinson treme, nem todos sentem dores ou apresentam problemas de fala ou disfagia. É importante esclarecer que um portador de DP pode viver bem com tratamento adequado, quando dirigido por profissional competente, e com o total comprometimento naquilo que depende de si próprio. Fundamental saber que alucinações, demências e confusão mental não fazem parte do quadro inicial da doença e que é possível viver sem que esse quadro nunca se instale.

O medo do que está por vir é altamente prejudicial às condições psicológicas do paciente, mesmo porque pode nunca acontecer. O paciente deve procurar atendimento psicológico  quando está com problemas e não está conseguindo lidar com eles de forma adequada. O propósito da terapia é mudar a mente e o comportamento deste paciente, para que a vida dele seja menos problemática e mais satisfatória.  Para um atendimento psicológico adequado é preciso que os pacientes sejam sinceros com eles mesmos e com o psicólogo . Se espera superar suas dificuldades e quer aprender a lidar com elas, deve confiar no psicólogo e não esconder elementos importantes. O atendimento psicológico é, em primeiro lugar, acolhimento. Acolhimento que é também muito importante que exista dentro da esfera de relacionamento do paciente, família, amigos e cuidadores.

Convivo há quase 15 anos com mr. parkinson e estou no estágio inicial da DP. Venci a depressão inicial, e algumas limitações ocasionais. Tenho maior rigidez muscular, praticamente nenhum tremor. Aprendi aos poucos que os cuidados comigo mesma, com meu corpo e minha mente são essenciais para ter uma vida saudável, com qualidade, produtiva.

Os tratamentos não são curativos, são paliativos, minimizam os efeitos motores e não-motores da DP, mas são indispensáveis e devem ser feitos com seriedade. As atuais formas de tratamento disponíveis garantem uma vida participativa.

Não se deve acreditar em tudo que está na internet, só porque está lá. Infelizmente há muitas pessoas não qualificadas escrevendo sobre os mais diversos assuntos, sem conhecimento e de forma irresponsável. Caso apareça alguma dúvida o melhor é buscar esclarecimentos com o médico responsável pelo tratamento.

Nem todo portador de parkinson treme, tem disfagia, depressão ou dores, nem todo portador de DP é ou ficará inválido ou demente.

Continuemos atentos, unidos e bem informados!

Abraços fraternos a todos os amigos da nossa família PK.

*TT

3 comentários:

Unknown disse...

Badu, peço licença para postar texto tão longo, mas achei a questão essencialmente relevante.
Abraços, *TT.

Hugo Engel disse...

Tetê, muito bem escrito!
A incidência de parkinson em jovens está cada vez mais presente, e isto é importante que o público em geral aceite para quando diagnosticado. "Já era" o conceito de que "parkinson é doença de velho". [ ]'s

Unknown disse...

Querida amiga Tetê, você é da casa e não precisa pedir licença, tem liberdade para postar o que quiser, fico imensamente gratificado por ver parkinsonianos como vc, Hugo e Humberto dando seus recados de maneira tão esclarecedora e com isso desmitificar a DP, somente assim falando com seriedade é que vamos combater o preconceito e passar para o publico maior informações realistas a respeito da doença.
O nosso mui obrigado por estarem conosco, vocês estão fazendo a diferença.