Hoje me
deparei com um blog na internet, e nem vou citá-lo porque não vale a pena.
Tratava o parkinson com superficialidade, de modo assombroso, como se todo
portador de DP fosse inválido, incapaz ou demente, dependente, como se a vida
de um parkinsoniano fosse degradante e não valesse à pena.
O texto tão
descuidado causou-me tamanha indignação, que resultou no meu desejo de esclarecer
alguns pontos que tenho conhecimento pela minha vivência com esta doença.
Sou portadora
de parkinson desde meus 38 anos, hoje tenho quase 52. Muito mais comum e frequente do que se pensa,
a DP não acomete somente pessoas idosas. Até o momento não há exames
laboratoriais que possam detectar o problema. O diagnóstico é clínico e depende
muito da competência, habilidade e conhecimento do profissional que faz o
atendimento. Infelizmento o que percebo é que muitos médicos estão
completamente despreparados para fazer um atendimento eficiente e adequado.
Outro engano
que ocorre é se pensar que o tremor é o sinal mais evidente da DP. É preciso
esclarecer que há muitos sintomas relacionados com a DP e nem todo portador
apresenta tremores. Cada paciente é único e deve ser tratado como tal, de modo
individual, pois sabemos que a medicação não é a mesma para todos nem mesmo a
dosagem. Certos medicamentos fazem bem para uns e mal para outros. Há
dificuldades que alguns pacientes apresentam que outros não sentem.
Entre os
sintomas descritos estão tremores, lentidão na execução de movimentos, rigidez
muscular, problemas de fala e deglutição, dificuldades posturais e caminhar
arrastado, distúrbio de equilíbrio, perda de memória, alucinações e demência.
Além
das manifestações motoras, os pacientes com DP podem apresentar complicações
não-motoras, sendo essas evidentes nas fases mais avançadas da doença.
· hipotensão ortostática;
· distúrbios gastrointestinais (obstipação
intestinal, disfagia, salivação excessiva);
· distúrbios respiratórios;
· distúrbios sexuais;
· distúrbios sensitivos e dor (tipo
"queimação", dormência e dores profundas);
· distúrbios do sono (presença de distúrbio do sono
REM, da síndrome da apneia do sono, síndrome das pernas inquietas e do aumento
de despertadores noturnos).
Há
uma escala (Hoehn e Yahr), desenvolvida na década de 60, classifica a DP em 5
estágios conforme o nível de gravidade.
· Estágio I: manifestações unilaterais da DP,
incluindo as principais características: tremor, rigidez e bradicinesia. Sintomas leves e incovenientes mas não desabilitantes.
Mudanças na postura, locomoção e expressão facial.
· Estágio II: manifestações bilaterais acima
mencionadas, possíveis anormalidades da fala, postura fletida e marcha anormal.
Comprometimento da postura e marcha.
· Estágio III: agravamento bilateral das
manifestações da DP, somadas aos distúrbios de equilíbrio. Disfunção do
equilíbrio de marcha ou em ortostatismo. Disfunção generalizada moderadamente
grave.
· Estágio IV: agravamento dos estágios anteriores;
neste estágio os pacientes são incapazes de viverem de forma independente.
Incapacidade de andar por uma distância mais longa.
· Estágio V: Invalidez completa, incapacidade de
ficar em pé ou andar. Requer constantes cuidados de enfermagem. Pacientes
necessitam do auxílio de cadeira de rodas, ou estão confinados ao leito.
Conheço casos
de pessoas que vivem há mais de 10 anos
com a DP que apresentam sintomas limitantes, contudo não incapacitantes.
Tive a honra
de conhecer um sr., Victor, que faleceu aos 94 anos de idade, parkinsoniano
desde os 60 anos e mantinha uma vida ativa e saudável. Praticava caminhadas
pelas manhãs, (acompanhado de um cuidador) voltava para casa, tomava banho,
vestia terno e gravata e saia para trabalhar. Ele dava palestras motivacionais
em empresas, consultoria sobre administração, marketing e vendas. Tinha um
cuidador que era também seu motorista, devido não apenas ao parkinson mas
também pela idade avançada. Foi ele meu principal motivador, e mostrou que há
vida possível e saudável, com qualidade, mas não sem o total comprometimento do
paciente.
Comprometimento
e disciplina com a dieta adequada, que muitas vezes nos priva de algo que
gostamos muito, mas com o tempo descobrimos o quanto nosso empenho vale à pena.
Comprometimento com a fisioterapia, atividades físicas diárias, porque a
preguiça fica proibida. Comprometimento com o horário e doses corretas dos
medicamentos prescritos. Comprometimento com o tratamento acompanhado por um
profissional competente, sem fazer uso de auto-medicação. Comprometimento com a
seriedade que são os exercícios de fonoaudiologia.
Um conselho
precioso que recebi deste amável sr. foi nunca usar medicamentos, suplementos
alimentares, ou fazer atividades físicas sem controle e orientação de um médico
ou profissional competente e não interromper o tratamento, dando sempre
continuidade às atividades físicas, exercícios de fonoaudiologia, além de manter
a mente sempre ocupada. Ele dizia, com bom humor, que parkinsoniano não tem
direito ao ócio. Ele descansava fazendo cruzadas, treinava sua fala declamando
poesia em voz alta em frente ao espelho, comia frutas e verduras diariamente,
não fumava, e álcool ele somente se permitia um pequeno cálice de porto após o
almoço.
Outro conselho
importante que recebi foi não esperar que um sintoma se instale para cuidar
dele. O sr. Victor era palestrante, orador, conviveu com a DP por mais de 30
anos e apresentava boa dicção, e não apresentava problemas de deglutição ou
salivação. Ele fazia exercícios de fono com frequência e por uma boa época fez
aulas de canto.
Aprendi com
ele a manter os exercícios de fonoaudiologia com constância (mesmo não
apresentando nenhum problema de fala ou disfagia), atividade física com
alongamentos, dieta equilibrada com ingestão de pelo menos 2 litros de água por
dia, e os cuidados necessários de higiene corporal (sem banhos demasiadamente
quentes e uso de hidratante para o corpo), higiene bucal (escovação com escova
elétrica, fio dental e enxaguante sem álcool), manter a mente ativa (com
leitura, cruzadas, sudoko), mantenho o bom humor ouvindo boa música durante o
dia, e procuro deitar a noite para dormir sempre no mesmo horário. A disciplina
e a prática de hábitos saudáveis faz bem a todos, não só para portadores de parkinson.
É preciso
esclarecer que nem todo portador de parkinson treme, nem todos sentem dores ou
apresentam problemas de fala ou disfagia. É importante esclarecer que um
portador de DP pode viver bem com tratamento adequado, quando dirigido por
profissional competente, e com o total comprometimento naquilo que depende de
si próprio. Fundamental saber que alucinações, demências e confusão mental não
fazem parte do quadro inicial da doença e que é possível viver sem que esse
quadro nunca se instale.
O medo do que
está por vir é altamente prejudicial às condições psicológicas do paciente,
mesmo porque pode nunca acontecer. O paciente deve procurar atendimento
psicológico quando está com problemas e não está conseguindo lidar com
eles de forma adequada. O propósito da terapia é mudar a mente e o
comportamento deste paciente, para que a vida dele seja menos problemática e
mais satisfatória. Para um atendimento psicológico adequado é preciso que
os pacientes sejam sinceros com eles mesmos e com o psicólogo . Se espera
superar suas dificuldades e quer aprender a lidar com elas, deve confiar no
psicólogo e não esconder elementos importantes. O atendimento psicológico é, em
primeiro lugar, acolhimento. Acolhimento que é também muito importante que
exista dentro da esfera de relacionamento do paciente, família, amigos e cuidadores.
Convivo há
quase 15 anos com mr. parkinson e estou no estágio inicial da DP. Venci a
depressão inicial, e algumas limitações ocasionais. Tenho maior rigidez
muscular, praticamente nenhum tremor. Aprendi aos poucos que os cuidados comigo
mesma, com meu corpo e minha mente são essenciais para ter uma vida saudável,
com qualidade, produtiva.
Os tratamentos
não são curativos, são paliativos, minimizam os efeitos motores e não-motores
da DP, mas são indispensáveis e devem ser feitos com seriedade. As atuais
formas de tratamento disponíveis garantem uma vida participativa.
Não se deve
acreditar em tudo que está na internet, só porque está lá. Infelizmente há
muitas pessoas não qualificadas escrevendo sobre os mais diversos assuntos, sem
conhecimento e de forma irresponsável. Caso apareça alguma dúvida o melhor é
buscar esclarecimentos com o médico responsável pelo tratamento.
Nem todo
portador de parkinson treme, tem disfagia, depressão ou dores, nem todo
portador de DP é ou ficará inválido ou demente.
Continuemos atentos,
unidos e bem informados!
Abraços
fraternos a todos os amigos da nossa família PK.
*TT
3 comentários:
Badu, peço licença para postar texto tão longo, mas achei a questão essencialmente relevante.
Abraços, *TT.
Tetê, muito bem escrito!
A incidência de parkinson em jovens está cada vez mais presente, e isto é importante que o público em geral aceite para quando diagnosticado. "Já era" o conceito de que "parkinson é doença de velho". [ ]'s
Querida amiga Tetê, você é da casa e não precisa pedir licença, tem liberdade para postar o que quiser, fico imensamente gratificado por ver parkinsonianos como vc, Hugo e Humberto dando seus recados de maneira tão esclarecedora e com isso desmitificar a DP, somente assim falando com seriedade é que vamos combater o preconceito e passar para o publico maior informações realistas a respeito da doença.
O nosso mui obrigado por estarem conosco, vocês estão fazendo a diferença.
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